Por que ver (de novo) Scarface


Fernando Santos

Serviço: Netflix, 1983, 2h48min (ação, violência, máfia)

Ok, você já sabe o final, como diz o Bolsonaro, todo mundo vai morrer um dia. Neste caso, morrem depois de quase três horas de um clássico idolatrado por metade dos fãs de cinema e odiado pela outra metade, assim como a popularidade do presidente brasileiro.

Scarface tem quase 40 anos. Muitos talvez só conheçam o filme pelas camisetas vendidas com a famosa pose de Tony Montana (Al Pacino) empunhando a sua megametralhadora usada na sangrenta cena final, muito antes de a carnificina ser consagrada por Tarantino.

Sim, Scarface é violento e com cenas chocantes, com tiros à queima roupa e até serra elétrica no banheiro. Na época, críticos relataram que foi tão assustador como a famosa reunião de ministros com Bolsonaro gravada em vídeo. Lembram que foi a primeira vez que utilizaram o palavrão “fuck” no cinema. E não uma, mas 206 vezes (qualquer comparação com o linguajar de Bolsonaro na reunião ministerial é mera coincidência).

Mas o que importa nesta reprise não é a história, já bem conhecida do traficante Montana e sua gangue. Vale rever por uma questão estética. O diretor Brian de Palma foi crucificado e indicado ao prêmio Framboesa de Ouro como o pior daquele ano. Ouso discordar. Em tempo: Scarface não teve nenhuma indicação ao Oscar.

O filme ambientado em Miami é repleto de excessos. Mas o toque de Brian de Palma é marcante. Se puder, tente se desconectar do ótimo roteiro de Oliver Stone e perceba as cenas com câmera aberta, apresentando um cenário amplo, repleto de informações, citações e críticas sociais.

Preste atenção nas passagens pelas ruas de Miami Beach, misturando modelos de biquíni e uma legião de anciões; as cenas na boate luxuosa e no restaurante granfino, uma caricatura dos ricos e milionários americanos, misturados a imigrantes retratados como a escória da nação.

Al Pacino, apesar dos excessos, é um show à parte, ao lado da sensual Michelle Pfeiffer, que interpreta Elvira, “a mulher que passa metade do dia se vestindo e a outra metade se despindo” (outra alfinetada cultural brilhante à elite americana).

O filme é longo, é um clássico, mas se você está enfurnado na quarentena, tem tempo de sobra e já se cansou de produções preguiçosamente dirigidas, como várias espanholas, francesas e indianas que inundam o catálogo da Netflix, Scarface é uma aula (pelo bem ou pelo mal) e diversão garantida.

Fernando Santos é jornalista e já foi responsável por paralisar o Paulistão por conta de uma reportagem.